Semana da Consciência Negra é aberta com homenagens a Paulão Thomaz e Gilson Cabeleireiro

 

Grupo Arte e Manhã divertiu as crianças e Pastoral Afro fez apresentação, com destaque para ‘Sá Neném’ que roubou a cena mostrando sua jovialidade aos 104 anos

A Semana da Consciência Negra e Afromineiridade de Três Pontas foi aberta na manhã desta quarta-feira, feriado nacional. O evento que segue até o próximo domingo, serve para celebrar, refletir e homenagear a riqueza da herança afro que tanto contribuiu para a formação da identidade cultural, histórica e social do Município e do Brasil. O evento inédito, ao ser realizado pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura, Lazer e Turismo, é uma semente que está sendo plantada para deixar um legado eterno para os trespontanos.

A Semana da Consciência Negra propõe o resgate da cultura quilombola e a história dos nossos ancestrais, refletindo sobre igualdade racial, debatendo temas essenciais e se informar mais profundamente sobre as contribuições da população negra para a sociedade.

Na abertura do evento realizado no Sambódromo Jaime Abreu, na Avenida Oswaldo Cruz, foi destacado dois ilustres trespontanos, reconhecidos mundialmente, são negros e representam o orgulho desta terra. Milton Nascimento, uma lenda da música, e o Beato Padre Vitor, que está em vias de canonização e será o primeiro santo brasileiro negro. Dois gigantes que levam o nome de Três Pontas ao mundo.

Pastoral Afro foi presença marcante na abertura do evento na manhã desta quarta-feira. Foto: Hécio Rafael

Com a presença de membros Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), que foram empossados um dia antes, a abertura da comemoração ganhou emoção, com homenagens e um nome que ficou marcado na história e agora se eterniza – Paulo Augusto da Silva. Paulão Thomaz leva o nome de um troféu que tem a proposta de anualmente reconhecer pessoas que, com suas ações e dedicação, honram, promovem e disseminam a cultura afro em na cidade. O troféu simboliza o compromisso de Três Pontas em preservar e valorizar nossa herança afrodescendente, inspirando as futuras gerações a seguirem este caminho de luta, igualdade e orgulho cultural.

A filha dele, Dayanne Paula Teofilo Silva recebeu a homenagem e destacou a história de seu pai. As dificuldades que ele tinha para organizar um evento para celebrar a memória de Zumbi dos Palmares e a honra que agora ela tem de ver seu patriarca sendo reconhecido. Ela fez os agradecimentos ao prefeito Marcelo Chaves e ao secretário de Cultura Alex Tiso. E pediu que o próximo prefeito Luisinho Silva, não deixe morrer esta comemoração. Na visão dela, Marcelo conclui sua gestão com chave de ouro. Ela citou o nome de Padre Victor e expressou o desejo de ver sendo homenageado Milton Nascimento. Alex Tiso, foi ao microfone e justificou que faz tempo que Bituca não vem a Três Pontas, mas que ele receberia em sua casa, no Rio de Janeiro, um troféu desse como seu nome.

O primeiro homenageado com o Troféu Paulão Thomaz, foi Gilson Rodrigues dos Santos. O cabeleireiro dono do Salão Transa Trança é um exemplo de trabalho, resistência e contribuição para a cultura negra. O escolhido para receber o 1º Troféu Paulão Thomáz, é muito mais que um barbeiro; é um guardião da cultura negra em Três Pontas, um líder comunitário que inspira por meio de suas ações e um exemplo de como o trabalho, o amor pela cultura e a resistência podem transformar vidas.

A Pastoral Afro participou em grande estilo desta abertura. O movimento da Igreja Católica que está ativo desde 1988, é um dos mais antigos e tradicionais. Números de dança mostraram a disposição das mulheres muito bem vestidas, com túnicas e turbantes floridos e coloridos. Uma integrante que mostrou sua jovialidade foi a centenária Dona Maria Ramos de Jesus Moreira. Talvez pelo nome seria apenas mais uma mulher de nome sagrado, mas é a Sá Neném. Pelo nome, muitos podem não conhecê-la, mais Dona Neném. Ela surpreendeu Glauber Reis que apresentava a Pastoral Afro e de repente começou um bate papo sério, mas muito divertido. Ele perguntou qual o segredo para viver mais de 100 anos e entre as indicações estava não beber. Glauber brincou que muitos ali não chegariam a esta idade. Sá Neném revelou ainda, para quem não sabia, que ela cuida de uma filha doente e recolhe reciclagem todos os dias para vender.

Como já mostrado pela Equipe Positiva, ela armazena tudo de forma adequada sem acumular água, por causa do risco de se tornar um criatório do mosquito da Dengue. Ela disse que estava com as pernas doendo, que mesmo toda caracterizada não dançaria, mas foi soltarem o som de Sá Neném não conseguiu ficar parada.

E já que estamos falando de diversão, a Tenda Cultural, recebeu os jovens do Grupo Arte e Manha, que manteve o evento em ritmo de descontração, mas de conscientização, com a peça teatral “Menina Bonita do Laço de Fita”. A história de um uma linda menina negra que desperta a admiração de um coelho branco, que deseja ter uma filha tão pretinha quanto ela. Cada vez que ele lhe pergunta qual o segredo de sua cor, ela inventa uma história. O coelho segue todos os “conselhos” da menina, mas continua branco. A peça e a forma de tratar é bem lúdica, mas foca na autoaceitação, respeito às diferenças e a beleza da diversidade.

O projeto social Ubuntu também faz parte da programação da Semana da Consciência Negra. Ele é voluntário e leva educação profissional, social e cultural para crianças e adolescentes através da união e partilha de saberes. Eles atuam há dois anos e meio, atendendo nos bairros Padre Vitor e Santa Edwirges e têm como principal público alvo crianças e adolescentes de escolas públicas, de 5 a 17 anos. Um número de dança e capoeira foram apresentados durante a abertura.

O palestrante do Museu da Escravidão Luis Alfredo, está incluso na programação durante os três dias, com conteúdos extremamente relevantes e necessários para percorrer a história dos negros desde a escravidão até os dias de hoje. Uma curiosidade que ele trouxe foi como surgiu o nome do doce pé de moleque.

No começo do século XX havia muitas baianas que vendiam doces em tabuleiros, no Rio de Janeiro. Os meninos gostavam especialmente desse doce de amendoim, mas como não tinham dinheiro, furtavam das baianas e elas ralhavam com eles para não roubarem. Diziam para pedir, assim: – Pede, moleque!

Autoridades destacam igualdade de direitos

O secretário de Cultura Alex Tiso agradeceu o empenho de sua equipe e de voluntários que colaboraram bastante para que comemoração de festa e conscientização aconteça. Ele enfatizou que os trespontanos terão a oportunidade nestes dias, de debater e discutir  questões da afrodescendência e como ela chegou na afromineiridade, mostrando o tamanho da importância desta cultura que faz parte da nossa existência. Na visão dele, será uma semana de aprendizado, de se aprofundar no assunto e colocar em prática a igualdade.

O atual vice prefeito e prefeito eleito Luisinho Silva, disse que como próximo gestor, assume o compromisso público: fortalecer as políticas que promovam a valorização da cultura afro e a luta pela igualdade racial. “Meu objetivo é garantir que todos os cidadãos trespontanos, independentemente de sua cor ou origem, tenham as mesmas oportunidades e o mesmo reconhecimento. Quero que Três Pontas seja referência no respeito à diversidade e no resgate de nossa memória afrodescendente, ampliando espaços como este, incentivando atividades culturais e educacionais, evidenciando e preservando nossa cultura quilombola e mantendo viva a luta contra o preconceito e a discriminação”, defendeu Luisinho.

O prefeito Marcelo Chaves fez a abertura oficial e discursou justificando as personalidades homenageadas. “Hoje honramos uma história que é parte essencial de nossa identidade. A cultura afro está profundamente enraizada na formação do nosso município. Desde as raizes quilombolas, até as contribuições de grandes nomes que levaram o nome ao reconhecimento mundial, como Milton Nascimento e o Beato Padre Victor, que em breve será o nome primeiro santo negro do Brasil. Este é um momento de celebração, mas também de reflexão”, falou Marcelo. Para ele, a Semana da Consciência Negra, é uma oportunidade de revisitar o passado para construir um futuro mais igualitário, promovendo o respeito, a inclusão, e o reconhecimento de todos os cidadãos, independente de sua cor ou origem”. Satisfeito e com a sensação do dever cumprido, o prefeito falou do desejo de já ter realizado esta comemoração que agora se concretiza e espera que seu sucessor, o prefeito eleito Luisinho, mantenha, amplie e dê o devido valor a data, fortalecendo os laços e fazendo com que todos, independente da cor tenha o orgulho de ser trespontano.

Troféu Paulão Thomaz 2024

A filha única de Paulão Thomaz, Daiane Silva, se emocionou com a homenagem a seu falecido pai

Paulo Augusto da Silva, “Paulão Thomaz”

Paulão nasceu em 13 de maio de 1952, na Colônia do São Bento, Fazenda Boa Vista, em Três Pontas. Caçula de 15 irmãos, enfrentou as adversidades do trabalho na lavoura e as barreiras impostas pela sociedade da época para conquistar seu lugar no mundo. Seu amor pelo aprendizado e pela valorização de sua história o levaram a superar desafios, dividindo sua infância entre os 12 quilômetros de caminhada até a escola e o trabalho árduo na monocultura do café e da cana-de-açúcar.

Carpinteiro por profissão, Paulão também se destacou como empresário, carnavalesco e líder comunitário. Fundou e presidiu a Associação de Desenvolvimento, Ação e Consciência Negra de Três Pontas, sendo uma figura central na luta por igualdade racial e na valorização da cultura afro. À frente da Escola de Samba Consciência Negra, brilhou nos carnavais, deixando a sua marca no palco da alegria. Foi um apaixonado pelo futebol e pelo Galo, fundador do bloco caricato Bica Galo, que anima nossas ruas até hoje.

Paulão não apenas era um exímio conhecedor da história do Beato Padre Vitor, mas também propagava sua luta contra o racismo, ministrando cursos e palestras que inspiraram gerações. Como chefe da Divisão de Cultura e Turismo na Prefeitura Municipal, trabalhou incansavelmente para promover a cultura de nossa terra. E, no coração de sua casa, criou o “Fundo de Quintal” com sua esposa, Cida, um espaço que unia amigos e familiares em torno da gastronomia mineira.

No entanto, sua maior paixão sempre foi sua terra natal e seu desejo de ver a população negra de Três Pontas tratada com igualdade e dignidade. Sua memória nos inspira a continuar sua luta por uma sociedade mais justa, onde a história e a força do povo negro sejam valorizadas.

Paulão partiu em 7 de fevereiro de 2016, em pleno carnaval, a festa que tanto amava. Sua ausência é sentida, mas seu legado é eterno, especialmente em momentos como este, quando nos reunimos para celebrar sua vida e suas contribuições.

1º Troféu Paulão Thomaz

O vice prefeito Luisinho entregou o 1º Troféu Paulão Thomaz para Gilson do Salão

Gilson Rodrigues dos Santos, 65 anos, nasceu em Itaju da Colônia, na Bahia. Casado com Lúcia Pinto Pereira Santos, é pai de seis filhos: Dione Jorge, Aline Aparecida, Ariel Rodrigues, Naeji Cristina, José Pinto Pereira Neto e Emanuelle Catarina, e avô orgulhoso de seis netos. Ele chegou a Três Pontas em 1982, onde se casou, e, logo depois, retornou a São Paulo, onde aprendeu a cortar cabelos na famosa Galeria 24 de Maio, no centro da cidade.

Na Galeria 24 de Maio, Gilson esteve imerso no efervescente movimento da cultura negra paulistana, que incluía os icônicos salões de cabeleireiros Black Power e as grandes festas organizadas por equipes como Chic, Black Mad, São Paulo Chic e na Casa de Portugal. Nessas experiências, apaixonou-se por ritmos como soul music, samba rock e melodias que carregavam a alma da cultura afro.

Em 1985, Gilson retornou definitivamente a Três Pontas, onde começou a cortar cabelos em casa. Inicialmente morava na extinta Casa Veloso Distribuidora de Bebidas, mas em 1989 tornou-se proprietário do Salão Transa Trança, um espaço que, em 2024, completa 35 anos de existência. Seu salão se tornou um ponto de referência, não apenas como um espaço de beleza, mas também como um reduto de cultura e identidade afro para a comunidade trespontana.

Além de seu trabalho como barbeiro, Gilson foi ativo no Grupo Consciência Negra, participando de reuniões, quermesses e encontros na Praça do Botafogo. Esteve envolvido com a Escola de Samba Consciência Negra e foi responsável por idealizar e realizar o evento anual “Batuque pra Zumbi”, que celebra o Dia da Consciência Negra com representatividade e orgulho.

Em 2022, Gilson lançou o curta-metragem “Salão Transa Trança”, dirigido por Ana Lima, com exibição na Praça do Botafogo. O filme foi um marco para a cultura local, reunindo a comunidade e destacando a importância de seu trabalho e história.

Gilson Rodrigues dos Santos é muito mais que um barbeiro; ele é um guardião da cultura negra em Três Pontas, um líder comunitário que inspira por meio de suas ações e um exemplo de como o trabalho, o amor pela cultura e a resistência podem transformar vidas.


PROGRAMAÇÃO

Quinta-feira – 21/11 (tenda Cultural no Sambódromo)

8h – Apresentação cultural da Escola Tancredo Neves
9h – Museu da Escravidão, com palestra
10h – Apresentação musical da Escola Tancredo Neves
13h30 – Teatro: Menina Bonita do Laço de Fita (Arte e Manha)
14h – Museu da Escravidão, com palestra
15h – Apresentação Musical da Escola Tancredo Neves
19h – Roda de Conversa debatendo o tema: “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” – Local: Auditório da Fateps
18h – Apresentação musical – Sarau “Olhos coloridos” – Momento único e imperdível em que os músicos trespontanos se reúnem para interpretar canções de artistas negros e ritmos variados, marcados pela influência afrodescendente.
20h – Gil Deon.


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